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Livro de docente da UFPB aborda silenciamento da fala feminina ao longo da história da humanidade
Um dos objetivos fundamentais do machismo e da misoginia é o silenciamento da fala feminina. É com essa afirmação que começa a sinopse do livro “A fala feminina: silenciamentos e resistências”, lançamento de autoria de Amanda Braga, professora do Departamento de Língua Portuguesa e Linguística da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e Carlos Piovezani, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
O livro traça um panorama histórico dos menosprezos, deslegitimações e interdições da fala de mulheres desde a Antiguidade clássica até o cenário político brasileiro da atualidade. Os autores tratam desde as tentativas de interdição e do menosprezo pelo que as mulheres dizem, passando por violências físicas e simbólicas, até os feminicídios.
De acordo com a Amanda Braga, foram cinco anos de trabalho que resultaram em uma obra com mais de 400 páginas. A autora esclarece que houve uma motivação teórica e uma motivação política para a redação do livro. A teórica partiu do diagnóstico de Carlos Piovezani na obra “História pública da fala”, que apontou uma divisão sexista que resultou na exclusão das mulheres do campo da oratória.
A outra motivação para a obra foram as articulações políticas que resultaram na deposição de Dilma Rousseff do cargo de Presidenta do país, e os ataques à fala de Dilma.
“Para exemplificar, basta que citemos o livro Dilmês: o idioma da mulher sapiens, do jornalista Celso Arnaldo Araújo. Trata-se de um livro inteiramente dedicado a depreciar e a satirizar a fala pública de Dilma. São textos que não apenas decretam a impossibilidade, historicamente construída, de que uma mulher possa estar em lugares de poder e autoridade, como também reverberam a enorme dificuldade de se reconhecer alguma competência na fala pública das mulheres”, afirmou a autora.
Segundo os autores, a obra retraça a história de interdições da fala das mulheres, principalmente no espaço público, assim como examina as lutas femininas e feministas pelo direito à fala pública e à escuta respeitosa de suas palavras.
O livro está disponível para aquisição no site da editora Jandaíra, e tem apresentação da deputada federal Erika Hilton (PSOL/SP), prefácio de Marlène Coulomb-Gully, professora emérita da Universidade de Toulouse, na França, e especialista em relações entre gênero, linguagem e política, e quarta capa da deputada federal Talíria Petrone.
Exemplos de silenciamento
A autora resume alguns exemplos de silenciamento feminino ao longo da história: na antiguidade, os exemplos podem ser vistos na literatura que em diversas obras, como na Odisseia de Homero, há passagens que afirmam que as mulheres deveriam calar-se por não terem competência para falar em público. A autora aponta também os trabalhos de Aristóteles sobre a história natural, que distingue a voz de homens e mulheres, considerando a voz masculina como grave e intensa, o que indicaria coragem, enquanto a voz das mulheres, por seu turno, seria aguda e fraca, o que indicaria covardia.
"Na modernidade, um único exemplo pode nos oferecer a medida da violência: surgia ali a chamada gossip bridle (rédea de fofoca), que designava o instrumento usado para torturar, humilhar e silenciar mulheres supostamente desobedientes. A engenhoca era utilizada muito frequentemente por solicitação dos maridos ou da família e se caracterizava por uma estrutura circular de ferro que envolvia toda a cabeça da castigada. A tal estrutura, fixava-se uma chapa que se projetava para dentro da boca e acostava-se à língua das mulheres, que seriam feridas caso tentassem falar", contou Amanda Braga.
A obra traz, ainda, diversos exemplos do silenciamento feminino, observado pelos autores, no contexto político brasileiro da atualidade. No último capítulo, os autores analisaram os silenciamentos que tentaram impor à ex-presidenta Dilma Rousseff, a Manuela D'Ávila, a Sâmia Bomfim e a Marielle Franco.
“Eu costumo dizer que os silenciamentos que se abatem, hoje, sobre a fala das mulheres na política seguem um roteiro: primeiramente, tenta-se impedir que as mulheres ocupem os espaços de fala; mas se elas ocupam, tenta-se impedir que elas efetivamente falem; mas se elas falam, então tenta-se impedir que sejam ouvidas; mas se as escutam, tenta-se impedir que acreditem naquilo que dizem. Agora, se elas ocupam esses espaços, falam, são ouvidas e legitimadas em seus pronunciamentos, formas de silenciamento mais brutais são acionadas. Precisamos lembrar o que ocorreu com a vereadora que subia à tribuna para dizer “Não serei interrompida”...?”, afirmou Amanda Braga.