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Ciência e indústria ainda avaliam pouco os impactos dos agrotóxicos na biodiversidade, mostra pesquisa da UFPB

Não é novidade que atividades agrícolas, se não realizadas de forma sustentável, podem causar diversos problemas ambientais, como o desmatamento e a contaminação dos alimentos cultivados e dos lençois freáticos. Entretanto, pouco se sabe até agora sobre os impactos que a agricultura tem nos mamíferos que vivem na lavoura, ao seu redor e fora dela. Esse foi um dos achados da tese de doutorado “Mamíferos em agroecossistemas: abordagens para Avaliação da diversidade e exposição a contaminantes”, defendida por Érica Fernanda Gonçalves Gomes de Sá pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (linha de Zoologia), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), publicada ano passado.
No estudo, Érica fez uma revisão sistemática sobre os mamíferos que vivem nas lavouras brasileiras, investigando quais espécies ocorrem nesses ambientes, onde elas aparecem, com que frequência e em quais tipos de cultivo. A conclusão é que 54% dos mamíferos silvestres brasileiros ocorrem em lavouras (319 dentre 716 espécies) e que 10 espécies apontadas como ameaçadas de extinção pelo Ministério de Meio Ambiente têm os agrotóxicos listados como uma ameaça. “Esse número é provavelmente baixo já que raríssimos são os estudos que quantificam agrotóxicos em animais silvestres”, alerta a pesquisadora. “Mas saber com precisão essas informações é fundamental para pensarmos em formas de produzir alimentos de maneira mais sustentável, respeitando a natureza, protegendo a saúde dos animais, e a nossa também. Por isso a relevância do estudo”.
Segundo a bióloga, uma das principais razões dessas lacunas no conhecimento sobre o impacto dos agrotóxicos nos mamíferos é que os biólogos não têm treinamento para trabalhar nesses ambientes, normalmente reservados a agrônomos, veterinários e zootecnistas. Entretanto, se a sociedade quiser garantir um futuro sustentável, é indispensável que essa questão comece a ser estudada. “Além dos riscos à saúde, a perda da biodiversidade traz impactos econômicos e sociais, pois compromete serviços essenciais da natureza, como o controle de pragas, a polinização e a qualidade do solo e da água. Por isso, mesmo quando o uso de agrotóxicos é considerado necessário, é fundamental buscar formas mais seguras e sustentáveis de produzir alimentos, reduzindo os danos à saúde e ao meio ambiente”, diz Érica.
A tese de Érica atua para amenizar esse cenário, tendo resultado em um artigo sobre o tema, e, principalmente, em um relatório técnico vinculado a um projeto do IBAMA, para desenvolver um manual de avaliação de risco ambiental de agrotóxicos para espécies não-alvo — aquelas que vivem nas áreas agrícolas, mas não são o foco da aplicação, como é o caso dos mamíferos. “Nosso estudo também se baseou em diretrizes europeias de avaliação de risco ambiental, que estão sendo adaptadas no Brasil. Além disso, fizemos uma análise das características das espécies que usam diferentes tipos de lavoura e propusemos critérios para que essas espécies sejam incluídas nas análises de risco do IBAMA”, complementa a bióloga.
Além da revisão, a tese também testou empiricamente os impactos dos agrotóxicos e metais pesados em animais silvestres. Para isso, foi investigada uma região de cultivo de arroz irrigado no sul do Pantanal. O local foi escolhido por reunir, no mesmo espaço, a atividade agrícola, áreas de floresta protegida e turismo ecológico, além de abrigar uma alta diversidade de espécies, incluindo animais ameaçados de extinção. Como esperado, os resultados mostraram que os animais que vivem dentro das lavouras estão contaminados por agrotóxicos, provavelmente por contato direto com os agrotóxicos ou pela ingestão de alimentos contaminados. Entretanto, o mesmo não foi verificado nos animais da borda da lavoura e das áreas florestais próximas.
O que chamou a atenção da pesquisadora, porém, foi que o solo das áreas de fora da lavoura apresentou contaminação por metais pesados, o que também foi constatado nos animais que as habitam. “Isso mostra que a poluição nem sempre tem uma causa única e recente, sendo mais complexa do que imaginamos”, conclui. Ela destaca, contudo, que a presença de metais no ambiente nem sempre vem dos agrotóxicos usados hoje. “Muitas vezes, essa contaminação pode ter outras origens, como o solo carregado pelas chuvas e rios, que traz resíduos de áreas distantes, ou até do próprio tipo de solo da região, que já pode ter metais naturalmente”, explica. “Além disso, o uso do solo no passado, como antigos cultivos ou atividades industriais, também pode deixar resíduos que continuam afetando o ambiente por muitos anos”.
A bióloga destacou o papel da UFPB em sua pesquisa. “Parte dos recursos que utilizei, como o apoio para as atividades de campo, foram fornecidos pela própria universidade. Além disso, toda a estrutura necessária para as análises de dados foi disponibilizada no campus I da UFPB, no laboratório de mamíferos do Departamento de Sistemática e Ecologia do CCEN [Centro de Ciências Exatas e da Natureza]”, conta. Atualmente, Érica de Sá, enquanto aguarda o resultado de uma seleção para um pós-doutorado, segue envolvida em grupos de pesquisa sobre os impactos dos agrotóxicos. Além disso, participa de um plano nacional voltado à conservação de espécies ameaçadas, coordenado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), no qual se investigam os efeitos dos agrotóxicos em canídeos silvestres em risco de extinção.